quinta-feira, 3 de junho de 2010

DOMINGO AZUL

O mar azul com sua espuma branca, banha as areias, mas logo se retira de cena, para em segundos retornar. Domingo, tarde na praia de Boa Viagem. Devido à cortina de concreto formada pelos arranha-céus o sol logo se vai das areias daquela praia. Mas nem por isso ela perde seu encanto. No calçadão alguns banhistas retardatários, no playground crianças brincam. Para os que fazem sua saudável caminhada diária. Podem-se ver esses de todas as idades. Há ainda aqueles que bebem a doce água de coco vendida nos vários quiosques daquela orla:

- Porra , Ricardo se queria beber uma água de coco, era só mandar o teu empregado vim pegar e a gente bebia na varanda mesmo, ter que descer ate aqui...

- Calma Flávio, o Zezé está velho e cansado. Já está com a gente faz um tempão. As empregadas falham, e ele sempre fiel. Vamos dar um sossego a ele no domingo.

- Tem visto o Geraldo? – Perguntou Flávio ao amigo.

- Nem me fale daquele sujeito, o trabalho para qual o contratei, devia ser entregue, na Quinta. Sexta-feira no final do expediente, não deu nem notícia. Fiquei com ódio, atrasou bastante minha vida lá no escritório. Tenho sempre a política de não fazer trabalho nenhum com conhecido. Nunca dá certo. Para atrasar é amigo, mas para cobrar é profissional.

- Foi assim? Bom eu saber, não indico ele para mais ninguém.

- O pior é que no final do dia, estava de cabeça quente com os problemas, a Marta, deixou entrar na minha sala uma gostosinha, vestida num terninho metida à executiva, para me vender sistema de computação. Toda dona da situação, você precisava ver. Mostrei-lhe a porta para sair.

- E ela era bonitinha, pelo menos?

- Nem sei, não olhei... Quando saií a Marta ainda respondia alguma coisa pra ela. Dei uma bronca na Martinha, aquela secretária está fincando muito folgada. Não tinha que perder tempo com a tal sujeitinha.

Enquanto os amigos conversavam, passa ao lado uma moça. Não era uma menina qualquer, era linda. Alta, seus cabelos pretos na altura do quadril estavam soltos e esvoaçantes, o que lhe dava certo ar de tigresa. Sua pele branca ressaltava os seus olhos azuis sem igual. Usava uma dessas roupas colada ao corpo. A cor era preta com listras laterais, no short e na camiseta, o que servia para delinear ainda mais suas curvas:

- Olha só, que mulher linda!

- Tô vendo, Ricardo. Será uma miragem?

- Se é ou não, quem vai descobrir sou eu. – Dizendo isso o empolgado, foi na direção daquela mulher, que era o que mais lhe interessava naquele momento.

“Babaca. Se acha o tal. Como se eu não fosse páreo para ele”. – Pensou Flávio, depois de beber mais uma vez sua água de coco.

Mas todas as investidas de Ricardo foram em vão. Teve como resposta além do silêncio, um sorriso, um vago sorriso. Que o fez desistir, mas apenas naquele momento. Assim, a desejada se foi como aquele domingo.

Uma semana se passou. Ricardo durante todos aqueles dias lembrou da moça bonita de Boa Viagem. A moça no meio da tarde de um domingo azul, seus olhos azuis como a tarde. A tarde de um domingo azul.

Era novamente domingo, no seu carro Ricardo passava devagar pela avenida beira- mar. Pensou em parar e tomar uma água de coco no mesmo lugar: Quem sabe ela pode passar. Mas estava atrasado mais de dez minutos. De súbito teve a visão da dona de seus pensamentos. Foi arrancado de sua surpresa em segundos por um barulho, e um solavanco que o fez bater a cabeça no pára-brisa. Parou, e muito atordoado saiu do carro, o que fez também o motorista do outro carro:

- Como é teu nome? - Perguntou Ricardo ainda confuso.

“Tá maluco? Parou seu carro de repente”. – Gritou o outro motorista.

- Tereza.

“Quem vai pagar o meu carro?”

- Quero te ter. Não, quero dizer, te conhecer...

“O meu carro é zero, o recebi ontem”.

- Você está ferido. – Preocupou-se ela.

“Eu não vou ficar no prejuízo”.

- Está sangrando... – Disse passando a mão delicadamente na cabeça do ferido.

“Eu não tive culpa. Foi você que parou de repente”.

- Está doendo?

“Isto na testa dele não é nada, o meu carro está pior”.

- Não está doendo. Quero sair daqui. Vamos?

“Não vai sair daqui coisa nenhuma. Vamos esperar a perícia”.

- Cala a boca. Aqui está o meu cartão, tem meu telefone. Eu pago o reparo no teu carro. Agora me deixa em paz, quero sair daqui.

Enquanto o casal saía, o raivoso motorista anotava com a mão trêmula a placa do carro deles no verso do cartão que recebeu.

Minutos depois estavam em uma farmácia. Tereza estava terminando os primeiros socorros no acidentado:

- Pronto. Não foi nada. Deixa-me limpar só mais um pouco.

- Eu sei que não foi nada. – Respondeu já sem paciência.

- Agora um band-aid, e estará terminado.

- Olha... Vamos para algum lugar, aconteceu tudo muito de repente, ainda estou meio perdido.

- Certo. Mas você tem é que descansar um pouco. Não está podendo fazer outra coisa não.

- Posso, não tenha dúvida...

Na suíte de um motel, a música La Belle de Jour, ecoava naquele quarto quase como um sussurro. O ambiente climatizado era o oposto do calor que fazia fora dali. À meia-luz contornava aqueles corpos que se davam.

Depois do sexo consumado, se admiravam com olhares ainda sedutores:

- Afinal, quem é você?

- Eu. Sou a Tereza da praia.

- Falo sério. O que você faz da vida, neste mundo tão competitivo?

- A minha vida não tem muito charme. Não pinto quadros, não escrevo livros e nem sei cantar. Trabalho com vendas.

- Eu te compraria tudo.

- Não, não compraria.

- Como você sabe que eu não te compraria nada?

Ela nada respondeu. Apenas sorriu.

Mas os dias que seguiram não foram dos mais felizes para Ricardo. As tentativas de falar com a sua desejada, eram sempre frustradas pela mesma gravação: “celular fora de área de cobertura ou temporariamente desligado”. Até que:

- Alô.

- Tereza? É Ricardo, faz dias que te ligo, e não consigo falar com você.

- Eu tinha perdido o meu celular.

- Quando é que a gente se vê?

- Ando tão ocupada.

- Como é?

- Domingo está bom para você, Ricardo?

- Mas hoje ainda é quinta.

- Domingo a gente se encontra lá no Alfaiate, em Boa Viagem...

- Eu sei onde é o Alfaiate.

- Até domingo no final da tarde.

- Combinado, então.

Mais uma tarde de domingo que terminava:

- Faz tempo que está me esperando, menino?

- Não, cheguei há pouco tempo. “Já faz quase uma hora que estou aqui”. – Pensou indignado.

A conversa tinha tomado um rumo que ele não estava gostando muito. Falavam sobre trabalho, trânsito, música. Coisas sem muita importância, diferente do que tinha pensado. Esperou que fosse um reencontro. Aquilo foi deixando-o sem paciência. O seu celular tocou. Depois de atender, ele diz:

- Era o cara que bateu no meu carro, lembra? Marquei com ele para amanhã. É bom resolver logo isso.

- Deixa que eu me entenda com ele, é meu irmão.

- Como?

- Ele é meu irmão, foi tudo combinado.

- Irmão? Combinado?

- Você pensa que me conheceu na praia, certo?

- Certo.

- Você me conheceu antes. A Marta, que foi sua secretária e a despediu há alguns dias, lembra?

- Lembro.

- Pois é a Martha é minha amiga, dividimos o mesmo apartamento. Foi ela que deu um jeito para eu entrar no seu escritório para vender um sistema. Eu fui a vendedora que você praticamente expulsou.

- Era você?

- Sim, era eu. Quando você saiu e eu ainda estava lá, a minha amiga estava contando onde era seu apartamento, e que costumava tomar água de coco sempre em frente ao seu prédio...

Terminando sua explicação ela levantou e foi embora. Deixando-o ali, sozinho naquela mesa, mais confuso do que no domingo anterior, quando bateu o carro. Ele desesperado ainda tentou convencê-la a ficar. Disse o que lhe veio:

- Eu tenho poucas certezas na minha vida. Mas uma delas é a certeza de que para eu estar bem, tenho que estar com você.

- Você não é tão grande para ser o humilde que está querendo parecer. Fique com os seus. Fui...

A brincadeira feita com ele não lhe fez nada bem. Sentiu-se traído, enganado, um imbecil. Só tinha uma certeza depois de tudo que aconteceu, nunca mais queria ver aquela mulher. Mas tinha que dividir esta convicção com a falta atroz que ela lhe fazia. Decidido a esquecer, resolve viajar.

No aeroporto, os dois amigos se encontram:

- Aí, o garanhão papou a bela da tarde? - Quis saber Flávio.

- Não, foi ela quem me papou...

- Como assim?

- Ela fez tudo aquilo para me deixar como estou agora.

- E como você esta agora, Ricardo?

- Derrotado, meu amigo. Derrotado...







Baseado livremente na música La Belle de Jour, de Alceu Valença.

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