segunda-feira, 7 de junho de 2010

A DÍFICIL ARTE DE FORMAÇÃO DE UM CARÁTER



De Hans Christian Andersen com seu patinho feio a Telma de Figueiredo Brilhante, nossa querida Telma Brilhante, e sua Arabela, passaram-se anos a fio na literatura infantil. Mas todo esse tempo não foi o suficiente para banir das mais baixas regiões da alma humana, o mais vil dos sentimentos, o preconceito.

Encantou-me a aula, uma verdadeira lição, que Telma nos oferece, quando a menina encontra uma lagartixa desesperada. De saída para uma festa o bicho perdeu o rabo. E seu maior pavor seria não ser aceita, pois se tornara diferente, isso em um grupo é um crime que tem como sentença a exclusão:

“- Por que está triste, dona lagartixa?

- Porque perdi meu rabo. Sem ele, não posso dançar. Fico diferente. E as diferenças pesam, ninguém vai querer saber de mim.”

Um abraço nessa hora é o mais milagroso dos elixires, um tônico raro. A escritora desenha esse abraço na literatura criando a cena que Arabela acha o rabo perdido e o cola em sua dona. Essa radiante se despede e segue para o baile das borboletas.

A fogueira das vaidades, chamas ardente que queima o humano, se faz também presente no enredo, mas novamente a voz da razão se faz em Arabela quando ela ordena as orgulhosas letras, que se orientem e juntas formem uma mensagem para se ler. Despertadas do egoísmo profundo as letras a obedecem.

A amizade vira antídoto contra a inveja, quando a menina cativa a bruxa, e esta de invejosa passa a uma boa amiga.

A autora foi muito feliz em misturar clássicos infantis como Alice no país das maravilhas e João e Maria, com elementos comuns a todos os contos infantis ela cria uma historia única com identidade própria. Proeza conseguida por poucos. Geralmente essas misturas são perigosas por quase sempre resultar em mesmice.

A fantasia é um instrumento que ampara a criança na descoberta no dia a dia de um mundo às vezes nem sempre generoso, em momentos se mostra cruel. O gênero literário aqui em questão, é um dos mais importantes dentro de toda a literatura. Pois tem a chance de educar um ser ainda em seu inicio, quando se encontra um coração ainda puro das corrosões dos dias causadas por mais que magoas, cicatrizes profundas. Em que a vida é especialista em cravar.

A literatura infantil é um universo vasto, formado por inocência, aventura e principalmente por fantasia. Daí uma grande aliada na formação de um caráter. Usada de maneira simples, mas acima de tudo com responsabilidade é fundamental na construção de um ser humano.

Parabéns minha cara Telma, você conseguiu.

Cássio Cavalcante, 03 de fevereiro de 2010

sábado, 5 de junho de 2010

OS DOIS MUNDOS DE TODOS NÓS


Os dois Mundos de Madalena, da escritora Lourdes Nicácio nos chega novamente, desta vez em sua 5ª edição. O livro que tem este número de edições já fala por si. Pois todos que vivem no mundo das letras sabem a batalha que é, o livro sair do computador e parar nas prateleiras das livrarias.


Mas chega a esta edição com uma bagagem notável: Sua primeira publicação em 1999, foi através do SIC, Sistema de Incentivo a Cultura de Pernambuco, hoje chamado Funcultura. A autora recebeu Voto de Congratulações da Assembléia Legislativa pelo primeiro lançamento e pelo lançamento desta 5ª edição. Foi aprovado pela Secretaria de Educação do Estado, em 2002 e pela Secretaria de Educação do Recife, no ano de 2000. Tema da Monografia no curso de especialização em Literatura Brasileira da Universidade Federal de Pernambuco, em 2003. Tornou-se peça de Teatro, no Curso de administração da faculdade São Miguel em 2009. É objeto de estudo, pesquisa, nas escolas do ensino médio, fundamental e universitário. Achei sim, necessário transcrever aqui essa jornada que chega a me emocionar, em se tratando deste livro.

O livro trata de uma personagem nordestina e sertaneja. Uma mulher forte de fibra, que troca seu mundo familiar no sertão que o rio São Francisco banha, pela vida na cidade grande, na capital. Troca brusca que se faz necessária pela sobrevivência, mas que não a deixa sem a sua doce personalidade de professora do interior. Que vê nas letras a oportunidade de transformar os seus. Olimpio Bonald Neto, no prefácio, descreve bem o motivo da transição de Madalena para um novo mundo:

“Natureza comandando vidas, interferindo nos planos humanos, no destino das pessoas, definindo futuros, a chuva, o dom sagrado representando a mais preciosa dádiva da natureza.”

A edição em questão é em homenagem ao centenário de vida de Madalena, mãe da autora e também à memória de seu pai José Nicácio. É uma boa leitura, uma história que seduz pela realidade conhecida por tantas pernambucanas, por tantas mães do nosso sertão. No texto a poesia se faz em cenas literárias que construídas com sensibilidade empolga o leitor, com isso transformando o ato de ler em prazer.

Nos muitos depoimentos que encontramos no final da leitura, em um desses a escritora Telma Brilhante afirma com razão que:

“O prazer de ter lido esse livro que é um autêntico poema de uma trajetória de vida.”

Se você nunca se banhou nas águas do velho Chico, faça isso lendo Os Dois Mundo de Madalena. Se já banhou-se, sabe o que é bom. Então mate as saudades.

Cássio Cavalcante


A DOCE SENTINELA DA POESIA PERNAMBUCANA



Nos anos de 1950, Jose Simeão Leal diretor da coleção “Cadernos de Cultura”, publicados pelo antigo MEC, incluiu na coleção pequenos livros intitulados”50 Poemas Escolhidos pelo Autor”. O primeiro nome a fazer parte dessas publicações foi Manoel Bandeira, seguido entre outros por Carlos Drummond de Andrade e Lêdo Ivo. Em homenagem a essa idéia formidável do professor Simeão Leal, as Edições Galo Branco, uma editora carioca reviveu a mesma iniciativa com direção de Waldir Ribeiro do Val. A 43ª a ser contemplada a fazer parte desse evento foi Lourdes Sarmento. Antes o único nome da literatura pernambucana que fez parte foi Vital Corrêa de Araujo.

Na orelha, Amilcar Doria Matos, da Academia Pernambucana de letras, é feliz em afirmar:

“Mas é que ela não se detém na contemplação e na interiorização da beleza captada. Ela realiza.”

Já na quarta capa Sebastien Joachim é afirmativo em dizer:

“...Estou convencido de que ela é um dos mais seguros valores poéticos da passagem do Milênio.”

O livro em questão ganhou o Prêmio Carlos Ribeiro, da UBE-RJ/ 2009. É impressionante o poder de que a poetisa tem em bailar com as palavras, criando uma harmonia com o que quer nos transmitir. Vejamos quando ela nos fala do objeto tão querido, o livro:

“os livros dominam

os quartos, as gavetas

não são hóspedes

são vozes silenciosas

identidade registrada

do canto da vida

corpo e alma

da palavra”

Como uma maestrina perfeccionista, ela comanda o símbolo maior, a palavra, as conduzindo na formação da poesia. Lourdes é membro efetivo da Academia Recifense de Letras e da Academia de Letras e Artes do Nordeste. Pertence ao quadro de associados da UBE-PE entre outras entidades literárias. Mas acima de tudo ela é amiga daquele que quer fazer o bem em relação à literatura pernambucana; seja o consagrado ou o novo. Transmite ser uma pessoa iluminada, que com um sorriso meigo e uma poesia que se faz forte em sua sofisticação, constrói uma obra literária que já esta cravada em todo o sempre na arte de se fazer um poema.

A capa do livro se faz em tons lilás, com uma pequena foto em preto e branco da poetisa, e no conteúdo uma poesia que nos faz bem.

Cássio Cavalcante

Quarta-feira de cinzas, fevereiro de 2010.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

NO RIO DE JANEIRO PARA O SITE ZIRIGUIDUM

EM FORTALEZA-CE NA TV CEARÁ

CADEIA SEM CÁRCERE

Saudade, dor


Cadeia sem cárcere

E não se pode fugir

Saudade, amargo sabor

Pedaço que carece

E nos proíbe de sorrir

Saudade, fogo com fervor

Dúvida que aparece

E fica a nos punir

Saudade, maldito odor

Força que enfraquece

E não adianta reagir

Saudade, insuportável pavor

Mancha que escurece

E faz constranger

Saudade, amor

Lembrança que amanhece

E nos faz prosseguir



Cássio Cavalcante

NO MERCADO DAS APARENCIAS

Nos primórdios da cidade do Recife, chegou naquelas terras um desbravador português de nome Manuel de Areias. De imediato adquiriu um sítio às margens do rio Capibaribe, onde logo se instalou. Localizava-se no extremo meridional da Boa Vista, onde existiu o cemitério dos Judeus. Contavam os mais antigos que o panorama visto das janelas do segundo palácio de Mauricio de Nassau, na cidade, era fascinante, ao se vislumbrar as terras continentais de Pernambuco, proporcionando uma belíssima visão, então, uma Boa Vista. A paisagem que o administrador holandês contemplava depois de um aterro o lugar passou a se chamar caminho novo.

A propriedade do lusitano ficava vizinha de um sítio maior, com muitas árvores frutíferas. Logo se casou com uma fidalga rapariga, da rica família Muralha, também vindos de Portugal. Com esse casamento formou-se a família Muralha de Areias. Sobrenome tradicional que deixou seu nome cravado na posteridade, tendo como principal instrumento a cana-de-açúcar, e a fama de manter a honra acima de tudo, mesmo que tivesse de lavá-la com sangue. Homens duros e impiedosos eram aqueles. De dote o noivo recebeu terras onde edificou o Engenho da Jibóia. Ficava perto do também Engenho que recebeu o nome de sua dona Madalena Gonsalves. Ia-se pela antiga estrada Real uma passagem no rio Capibaribe, este caminho por muito tempo ficou conhecido como passagem da Madalena. Dizia a lenda que o nome do lugar, se deu em decorrência do fato, de que quando Manoel chegou para tomar posse, encontrou por lá uma cobra que tranqüilamente engoliria um homem. O dono teria matado a víbora, armado apenas de um facão.

A casa grande que construíra para morar foi feita e tinha tudo do bom e do melhor. Os portões fechados formavam o brasão da família, foram adquiridos na Inglaterra. Na entrada da área onde estava situado o solar imperial, tinha dois grifos de bronze, com cabeças de águia e corpos de leão. No jardim lampiões e três estátuas, sendo duas romanas e a outra egípcia, jarrões eram muitos. A fachada era de mármore de Lisboa. O pórtico de três arcadas, o frontão, o terraço superior e as janelas eram motivo de encantamento para a vista. A escadaria que dava acesso à entrada principal era de chamar atenção, aos lados dela duas estatuas de soldados. Na ampla sala de visitas, o chão de tábuas corrida de madeira de lei. Tudo que se encontrava sobre aquele piso fora calculado para demonstrar a maior das ostentações, tudo do mais caro e do melhor que a época podia oferecer. A capela do engenho não tinha o seu interior revestido de azulejos ou com pinturas de santos mártires, como era o costume. Mais sim com talhas cobertas de ouro. O emprego da decoração esculpida em seus altares, altar-mor, púlpito, portas emolduradas, bem como no forro e nas duas cornijas principais do interior era produto de estilo barroco. Os Muralha de Areias enriqueciam cada vez mais de geração em geração.

A propriedade se encontrava sob o domínio do bisneto de Manoel, Inácio de Areias. De todos os senhores da família, era o que administrava com a mão de ferro mais pesada, que aquelas terras já sentiram. Além do açúcar contou com o comércio negreiro para solidificar sua fortuna. Teve um confortável casamento de conveniência como era o costume. Quando foi comunicado do seu matrimonio indagou a seu pai como seria a futura esposa. Ao saber que tinha sido educado em conventos e viajou pela Europa:

- Ela sabe ler, meu pai?

- Creio que sim, viajada como é.

- Caro pai, hei de honrar o compromisso que firmou, pois bem sei que essa união trará benefícios incontáveis para nossa família. Mas seria melhor uma burra, que não conhecesse o mundo das letras. Para uma boa esposa nada mais é necessário que o domínio do lar em todos os seus afazeres.

- Isso não será problema Inácio, mantenha sempre as rédeas curtas, e não terás com o que se preocupar.

- Assim espero meu pai.

O casamento aconteceu como se pretendia. O jovem senhor de Engenho, formado, doutor como exigira o seu genitor, que se achando cansado se mudara para uma fazenda no interior, deixando seu único rebento no comando de tudo. O relacionamento do senhor de Engenho com sua mulher era sempre com muita cerimônia Sentia-se constrangido quando à noite ia cumprir suas obrigações de marido, e sentia sua esposa abraçar-lhe com um pouco mais de força:

“O que está a acontecer? Ao final das contas, ela é minha esposa, e não as prostitutas que são minhas em troca de algumas moedas. Mais parece as negrinhas que eu possuía, quando muito jovem, e andava na companhia do negro Jacinto que me servia de companheiro nas minhas peripécias juvenis. Deixa pra lá, deve ser devaneios meus. Pois era moça quando nos casamos, eu mesmo atesto isso, e não deve ter ciência dessas cousas.”

Lorena era uma bela e esforçada esposa, fazia tudo para agradar ao marido que sempre lhe passa a sensação de que nunca estava satisfeito com nada que ela fazia. Tinha uma beleza que chamava atenção, tributo esse que parecia incomodar o seu marido. Não descuidava de suas obrigações de dona-de-casa. Mas não dispensava seu passeio pelo engenho todas as tardes, sempre acompanhada de sua mucama, uma negrinha saltitante que atendia pela graça de Zefinha. Era nessas andanças que ficava a sonhar com o filho que teimava em não chegar, mesmo tomando todos os cuidados que lhe eram ensinados pelas escravas que povoavam sua casa.

O campo estava florido. As copas das muitas árvores eram de um verde sem igual. O cheiro de manjericão, trazido pelo vento de uma mata próxima, deixava aquela tarde mais perfumada que as outras. Resolveram ir ao pomar. No chão, frutos bicados por gulosos pássaros, que teimavam em cair. Mesmo com escravos a fazerem várias inspeções durante o dia, colocando-os em balaios que eram levados para a senzala, para serem devorados pelas negras paridas que lá descansavam. A senhora vê uma grande e suculenta pinha:

- Veja só, que delícia! Corre lá Zefa, e pega pra mim. Me deu uma vontade agora.

A mucama correra e de um pulo colhera a fruta, e a entregou a sua sinhá toda sorridente:

- Será que a Sinhazinha tá de bucho? Ai minha virge, será?

- Deixe dessas conversas, sua maluquinha, sabes que meu marido não gosta. E também não queiras me iludir. Depois não é, e fico a sofrer ainda mais.

- Vixe, é mesmo Sinhazinha, perdoa eu. Virge cruz. Perdoa.

- Nem sei. – Sorriu – Hoje acho que já me pedistes perdão mais de dez vezes. E eu boba que sou sempre estou a te perdoar.

- Virge mãe de Deus, e foi tudo isso foi?

- Vamos deixar de tolices e voltar para casa, temos que preparar a ceia, e a tarde já esta quase por acabar.

- Vamo Sinhazinha, vamo.

Quando Lorena, voltava de seu passeio vespertino pelo engenho, deparou-se com uma cena. Jacinto no tronco com as costas a sangrar, levava as últimas chibatadas, castigo que o seu próprio senhor recomendou pessoalmente ao feitor.

O escravo que estava no castigo era um negro alto, com braços e pernas fortes. Tinha dentes perfeitos e brancos. Era o escravo que fazia mais sucesso entre todas as negras das redondezas. Também povoava os pensamentos de muitas senhoras que o viam. Como seu senhor gostava de gabar-se, tratava de uma de suas peças raras já naqueles tempos, difícil de se adquirir, portanto, cara. Fora criado dentro da casa grande, devido sua mãe ter sido a mucama predileta da senhora. Pois quando mais precisou foi Inázinha quem a salvou.

A jovem esposa, com a saia longa segura pelas mãos, corre por todo o pátio, sobe as escadas da casa grande e chega a sala, em um só fôlego. Onde encontra o seu marido:

- O que tu queres mulher, passas mal?

- Senhor meu marido, sei que não gosta que eu me intrometa em seus assuntos...

- Se tu sabes, para quê estás a tentar?

- Pois sim, quando vinha chegando a casa, vi Jacinto sangrar ao tronco. Como pode fazer uma coisa dessas?

- Cala-te para tua saúde. A casa é minha, o engenho é meu, o negro idem. Se está lá é porque quero. Não admito mais nenhuma palavra sua sobre a questão.

- Mas o senhor meu marido, já me disse que foram amigos de infância...

- Cala-te mulher infame, já estou sem paciência com a tua audácia. Pois sim, eu ser amigo de infância desse macaco. Apenas ele e a mãe dele foram adquiridos por meu pai na época em que nasci. Sua mãe, essa imbecil que aqui mantenho por caridade, foi minha ama de leite. – Dizendo isso, passou as mãos com força em seus lábios. - Isso só aconteceu pela incompetência de minha mãe, de não ter leite para mim. Se ele vivia aqui pela casa grande, foi mais uma das sandices de minha mãe. Hoje, quando procurei o meu chicotinho de cabo de perna de bode, não achei, deve ter sido ele...

- O senhor meu marido, o viu pegar...

- Cala-te audaciosa, como ousa me interromper.

Lorena tenta levantar-se do chão apoiada no marquezão de jacarandá, refazendo-se da bofetada:

- O senhor meu marido, não passa de um monstro covarde.

- Me chamas de monstro e defendes um negro. Bom, muito bom. Inázinha, Inázinha, onde está essa maldita negra, nunca atende quando é chamada.

- Sinhozinho, tava na cozinha, fazendo um tacho de doce de goiaba.

- Eu lá quero saber o que tu fazes negra. Chamas aqui já o Florentino.

- Que falar com o capataz? O sinhozinho vai tirar o Jacinto do castigo, vai? Ele é um nego bom. Trabalhador, a casa precisa dele...

- Chama Florentino agora sua idiota. O que eu fiz hoje ao meu bom Deus? O céu está a cair em minha cabeça.

Já sentada com um olho roxo, a esposa observava o marido. Não se deixara abater, de uma maneira altiva esperava a resolução do marido. Entra o capataz, sempre muito sério e de poucas palavras, com o rosto pesado pelo oficio. Com seu chapéu amassado e bem seguro com as duas mãos:

- Diga Seu Inácio.

- Leve daqui, essa mulher insignificante, e tu a deixas três dias na senzala. Lá ela aprenderá a diferença entre eu, um senhor branco e um negro, um desses macacos qualquer.

- Vamo Inázinha, nega safada, o que tu andou aprontando?

- Ela não, seu burro, Lorena.

- Senhor?!

- Não quero ouvir nada de tua parte, se não fizeres o que te mando, vai tu para o tronco e contrato outro capataz.

- Não! Não! Senhora me acompanhe.

Os três dias se passaram. A mulher voltou a sua casa, e desde então passou a viver resignada. Ocupava-se sempre dos afazeres do lar. Sempre de cabeça baixa, só falava com o marido para respondê-lo, ou servi-lo em alguma necessidade sua quando era solicitada. Todas as noites na alcova muda e inerte cumpria suas obrigações de esposa servil. Apenas poucas lágrimas naquelas horas percorriam o caminho pelo seu rosto até chegarem ao seu destino, o macio travesseiro.



***



O velho Cipriano, só naquela sala imensa, esperava o filho que lhe convocara por carta. Com o pretexto de uma boa nova. Depois de terminar sua distração em observar a centenária cristaleira, e contar todos os cristais da Boemia, como era seu costume. Estava a observar o quadro do avô. Já em idade avançada, Manoel de Areias tinha o peito estufado dentro do seu gibão, calçava botas de couro até os joelhos e sob o pé direito a cabeça de uma cobra que havia esmagado. Foi aí que tudo começou. Pensava com orgulho. O silêncio da sala é quebrado com a chegada do filho com passos firmes sobre o chão de tábua:

- Salve meu pai!

- Como vais tu, filho meu?

- Tive pequenos prejuízos, mas nada que nos possa abalar.

- Onde está tua mulher, que ainda não me veio cumprimentar.

- Deve estar em seus afazeres, acredito que não tardará em vir lhe prestar respeito. Não há mais motivos para ter desgostos com ela. Já há algum tempo fui castigar o negro Jacinto, por uma dúvida que me ocorreu. Pois não é que a audaciosa da Lorena foi se meter. Proporcionei-lhe um corretivo que ela nunca mais esquecerá. Acho que agora lhe dei conserto.

- Acho bom, estou velho Leopoldo, já sinto que não hei de durar muito. Não agüento mais vir da fazenda para cá no lombo de um cavalo. E tu bens sabes que avental é roupa feminina por excelência, é o uniforme da mulher.

- Eu bem sei dessa verdade, meu pai. Ela tem que ter ciência da sorte grande que a vida lhe presenteou. Afinal está casada com um Muralha de Areias. O que mais poderia querer ela para seu destino.

- Tu estás certo, não deve ser modesto. A modéstia é cousa dos medíocres.

- O senhor me parece mesmo um pouco abatido. Por que o senhor não veio de carro?

- Até vinha. Tua mãe inventou de vim também pra te rever. Mas logo cortei esse engenho dela. Pois não queria uma mulher a matracar no meu pé do ouvido por todo o caminho. Não falam cousa com cousa. Mesmo assim estava aperreado, um negro nojento me fez perder uma vaca.

- Nem me fale, perdi dois escravos, fortes e caros.

- Como foi isso?

- Para me fazerem um mandado de imediato, foram cortar caminho e tentaram atravessar o rio de maré cheia. Lá se foram os dois. Aquela planície não podia se chamar de outro nome, a não ser mesmo de o lugar dos Afogados. Ali morrem muitos escravos e até homens e também mulheres.

- Onde tu estavas?

- Acabei de descer de Olinda. Estava negociando no Mercado da Ribeira. Chegaram uns negros que não valiam a pena adquiri-los, mais vendi alguns que queria. Tive lucro certo. Minhas peças que lá estavam, se destacaram.

- Bom muito bom.

- Tinha no mercado uns abolicionistas a reclamarem que os calabouços estavam demais sujos. Veja só, se negros são como cavalos, que necessitam de estábulos asseados.

- Onde vamos parar? E fique sabendo meu filho, que tem rapaz de boa família metido nisso.

- São devaneios da juventude. Que logo passarão quando sentirem o peso das moedas no bolso. O negócio negreiro é lucro certo. Jamais acabará. Não haverá em toda essa terra dita Brasil, um homem insano para acabar com a escravidão. Quanto a esses idealistas aqui, de meia pataca, deveriam ser pendurados na forca que tem lá no mercado da Ribeira.

- Sim, e qual é a boa nova que me trouxe até aqui?

- Vamos ao gabinete, lá conversaremos melhor. Inázinha, Inázinha. Onde está essa negra safada que não responde.

- Aqui, meu sinhozinho.

- Leve café e bolo Souza Leão, para mim e meu pai, no gabinete. E diga à Senhora Lorena que se apresente ao meu pai. Estamos a esperar o seu respeito.

- Já vou sinhozinho, já vou agorinha memo.

- Insuportável essa negra. Qualquer dia desses ela vai para o tronco.

- Não faça isso não, filho. Ela não agüenta. Será prejuízo certo.

No gabinete todos os livros necessários ao intelecto humano. Que logo foram proibidos à esposa, na sua chegada à propriedade. Era um cômodo arejado e confortável, contava duas janelas para o nascente. O filho fez menção para que o pai sentasse na grande cadeira por trás da enorme mesa de cerejeira. O convidado recusou e fez questão de que Leopoldo sentasse em uma das duas cadeiras de vime que ficava à frente da tal mesa sentou-se.

- Lorena está prenha.

- O que me dizes? Que notícia mais estupenda.

- Sabia que reagiria dessa maneira. E seria logo eu que não levaria o nome dos Muralha de Areias a frente.

- Nunca tive duvidas. Você saiu a mim filho.

- E toda aquela historia dessa negra desgraçada, de que eu não faria mais menino depois daquele acidente de cavalo na minha infância. Tudo balela...

- Não fales mais nisso, é tempo de alegria e celebração.

- Falo sim, meu pai. Pois tudo foi culpa daquele negro estúpido. O tal de Jacinto sempre me perseguia e insistia muito em estar presente em meus brinquedos de menino. Ele pulou primeiro a cerca, quando deveria me dá a vez, pois eu era o seu senhor. O meu cavalo se assustou com o dele e eu caí.

- Tu bem sabes que nunca foste um bom cavalheiro. Mas tudo foi resolvido o pai dele morreu no tronco para pagar pela insolência do filho. Se tens tanta raiva dele, por que não o vendes, colocarás um bom dinheiro no bolso.

- Não, o quero por perto para amargar-se com o nascimento de meu filho.

- Esses macacos meu filho, não raciocinam. Não perca seu tempo nem tampouco os seus pensamentos com causa de mais inútil.



***



Chovia já há três dias. O temporal se firmara. As galinhas não saíam dos poleiros por toda a manhã, tão grande era a escuridão que a chuva trazia. A tarde chegou, mas o céu não deu trégua. O capataz envolto em uma capa velha, quer conselhos:

- O que queres aqui estafermo? Estás a molhar toda a minha sala, mais parece um pinto molhado.

- É a água, senhor. O açude está sangrando, e o rio sobe a toda hora. É cheia da grande.

- O que queres que eu faça. Meu filho está a nascer e tu me vens com histórias de água. Para que te pago? Terei eu de ir molhar-me na chuva para satisfazê-lo? Não tenho cabeça para nada hoje.

Zefa passa aflita pela sala, com uma mão na cabeça, e com a outra carregando mais uma chaleira de água fervente. Ao soar de mais um trovão, assustada tropeça deixando cair toda água que carregava aos pés de seu senhor.

- Ai, Virge santa. Perdoa eu sinhozinho.

- Some de minhas vistas, estrupício mor. E quanto a ti, sobes o gado para um lugar alto...

- Já fiz isso senhor.

- Não me interrompas quando te falar. Vai pro teu oficio e me deixas em paz.

Com passos firmes Inácio atravessa todo o largo corredor que parece não ter fim. Com um chute abre a porta do quarto.

- Sinhozinho, sai daqui, aqui não é lugar de homi nessa hora.

- Cale-se negra estúpida, vou ver meu filho nascer.

- Água Zefa, água Zefa...

- Já vai Inázinha. Ai minha virge.

- Força fia. Vai força... Vai...

- Ai virge santa tá chegando sinhazinha, tá chegando...

- O quê? Não... Um negro, não. Vadia. Não... Vadia.. Vadia...



***



Jacinta era a negra mais bela, que a cidade do Recife já conhecera até então. De feições refinadas, já contava em sua existência dezesseis primaveras. Quando passeava pelo engenho sua beleza fazia par com a das rosas do campo. Costurava, bordava e pintava. Sabia ler e fazer contas. Tinha ainda muito bom gosto em decoração. Uma casa decorada por ela, não ficava a dever a nenhuma outra casa, nem mesmo as da corte. Ela em seus passeios gostava de sentir a brisa da tarde, carregada com o cheiro de manjericão.

A moça era dona de uma educação requintada, dada por sua mãe. Viúva de grandes posses, senhora de engenho. Possuidora de grande riqueza, herdada do marido que morrera afogado no dia do nascimento de sua filha.





AGUAS DE FEVEREIRO

Olinda, cidade de tantas belezas. Plantados no meio da multidão surgem os bonecos gigantes, acompanhados pela orquestra que varre tudo a sua frente tocando Vassourinhas. O velho casario acorda de seu sossego secular ao toque do batuque do Maracatu. Os tambores anunciam que é carnaval, em fevereiro, o mês predileto de Momo. Do alto de suas escadarias as fidalgas igrejas, com as janelas quebradas de sua torre, são testemunhas da alegria de um povo. As ladeiras se rendem às brincadeiras de quem as sobe e desce, em um frenético vai e vem. A Sé no alto tem toda a festa a seus pés. Os corpos suados do calor escaldante da sensualidade latina que se buscam e se acham no aconchego da carne. São as belas da tarde, os diabos louros, os bichos malucos beleza, que fazem toda a poesia de um canto. O mercado em que antes se vendia os escravos, agora é palco da comunhão das raças de todos os lados do mundo. As antigas fachadas são o cenário do show. A casa que se entra pela janela e para sair tem uma porta, também é cúmplice de tanta alegria.

Grandes bonecos, diferentes do que estão acostumados a fazer o carnaval nas ruas da cidade, adornam o Palácio dos Governantes, sede da prefeitura daquele município. De tamanhos variados chegam até os cinco metros, os Clóvis, tradicionais palhaços do Recife também estão presentes no adorno. Um total de trinta bonecos entre eles passistas, capoeiristas que fazem parte do surgimento do frevo. Faz parte ainda da decoração o Rei Momo, e um imenso boneco de Dionísio, deus grego a que muitos atribuem a inspiração das festas que originaram o carnaval.

Na festa no meio da rua, três amigos Felipe, Pedro e Marco. Passa mais uma troça, arrastando tudo e todos cantando em um só delírio:

Olinda... Quero cantar... a ti...

- Vocês são doidos. Aqui em Olinda com namorada.

- Vai dizer Felipe que elas não valem à pena. Fala aí Marco.

- Eu não quero saber de nada, Pedro. Faço o que eu quero. Tô querendo tá aqui com a Carol, o Felipe que se dane. Ele já tem vinte e sete anos. Podia ir com mais calma, parece esfomeado.

- Eu não quero saber desse negócio de idade. O certo é ficar, não vou perder tempo, enquanto pego dez, vocês estão só em uma. Daqui a pouco vão casar.

- Taí, até que não é má idéia. Não é Marco?

- Bom, já essa coisa de casar tô entre você e o Felipe. As meninas estão de- morando a voltar do banheiro.

...Faz vibrar meu coração, de amor a sonhar

Em Olinda sem igual

Salve o teu carnaval!

Ao passar da troça a multidão fervia, parecia não sentir o terrível calor, 35º à sombra. Começa a chuva, de início fraca, a havaiana de mão dada ao marinheiro corre para dentro de casa. Fica mais forte, a enfermeira e a noiva procuram o mexicano, e não achando correm gritando. Agora é para valer, chove forte, o pierrô sem a colombina, passa a mão no rosto, desfazendo a lágrima pintada:

- Olha lá Marco, aquela abelhinha na chuva.

- Tô vendo, Pedro. Que cinturinha! Que boquinha! É linda, e não tem medo de chuva. Onde tá o Felipe? Pra vê esse filezinho.

- Sei lá, por aí. Ainda bem que as meninas ainda não voltaram.

- Devem estar esperando a chuva passar. Eita, queria ser o zangão dessa abelhinha.



***



Quarta-feira, a cidade está mais calma, mas ainda com carnaval. Alguns se arrastam com suas bagagens, suspirando. Outros ainda resistem e correm atrás dos poucos blocos que insistem em não querer parar:

- Alô.

- Ainda se diz alô, quando se atende celular, Marco?

- Eu atendo do jeito que quiser. Fala Pedro.

- Quarta-feira, vamos pro bacalhau, no mercado da Boa Vista?

- No mercado?!

- Isso, vai ter a apresentação da Orquestra da Bomba do Hemetério, com o maestro Forró. Lá também tem o melhor arrumadinho do Recife. Feito pela dona Cristina.

- Sei quem é o maestro, o cara é arretado. Sabes que arrumadinho é o meu fraco, não me alimentei bem nesse carnaval tô até necessitado. E o Felipe?

- Não sei, não o vejo desde a hora daquela chuva. Deixei recado pra ele aparecer por lá também. Vai começar ao meio-dia.

- A gente se fala lá.

A tarde começa a ir embora. O maestro Forró, correndo à frente da orquestra, nas pequenas ruas do mercado, faz suas mirabolantes evoluções, causando admiração da platéia, que aplaude e dança ao som de um frevo recriado:

- Olha lá quem tá chegando.

- É o Felipe, vê lá Pedro, tá acompanhado!

- Tô reconhecendo ela... É a abelhinha!

- Olha aí o cara, Marco. Ele falou que não ficava mais de um dia com uma menina.

- Disse isso sim. Só que agora meu amigo, é pra casar. Ela me veio do paraíso, trazida pela chuva que caiu do céu.

-...

-...

O DESEJO DE CAMILA

Deitada na cama Camila relaxa, mais um dia que passou. O fio de voz de Nara Leão cantando a música Insensatez, torna o ambiente daquele quarto ainda mais tranqüilo e acolhedor. Toda essa paz é interrompida por uma súbita sede. Ela passa pelo corredor, chegando até a sala. A escuridão não é completa, existe a meia luz de um abajur. Na parede, ela nota um quadro meio torto, aproxima-se para corrigir o erro que achou. Nesse momento lembra a conversa que teve com uma amiga pela manhã:

- Você é muito certinha.

- Não sou certinha, gosto de tudo no seu devido lugar.

- Mas é chato tudo arrumado.

- Não é chato, é prático, facilita a vida.

- E quando você sai daquela casa?

- Você sabe que não gosto de apartamentos.

- Mas apartamentos não são práticos?

- A visão que eu tenho de um prédio de apartamento, é de várias pessoas desconhecidas morando em uma mesma casa, separadas apenas por paredes. Sinto-me muito bem e segura em minha casa, nunca me aconteceu nada de mal em todos esses anos.

Depois de certificar-se que o quadro está em harmonia com os outros, segue para cozinha, um pouco iluminada pelos vestígios de luz que chegam da sala, ela abre a geladeira. Parece vê um vulto, olha novamente para certificar-se, e se depara com um homem.

- Quem é você? O que quer aqui? Vá embora.

O intruso leva o dedo a boca, fazendo um sinal para ela calar. Na escuridão, a luz da geladeira aberta reflete na camisola transparente, deixando à mostra sutilmente as curvas do belo corpo daquela mulher. Que estranhamente não se encontra com medo diante daquela situação. Uma estranha troca de olhares acontece entre a dona da casa e o invasor. Foi como se selassem um pacto de desejo mútuo e cumplicidade. Deitados no chão não se despiram, fizeram amor ali mesmo. O homem que sentira uma atração imediata pelo que lhe pareceu ser a mais perfeita e tão próxima mulher que já encontrara. Sem palavras fez dela umas das fêmeas mais realizadas. Tudo foi muito rápido, mas para ambos cada segundo que se passou foram pedaços de uma eternidade sem igual. Será uma forte lembrança de suas vidas que jamais esquecerão.

De repente ele levanta-se oscilando entre a realização e a vergonha. Toda a sua vida passou em sua cabeça, como um filme rápido. Todas as mulheres que já teve em sua vida de marginal. Não sabia por que tinha agido daquele jeito com aquela. Não era seu costume tratar tão bem uma mulher. Então saiu rápido daquela casa como entrou, e sumiu na escuridão. A razão dos conflitos que perturbaram a cabeça daquele ser excluído que sumiu no escuro, encontrava-se ainda deitada no chão de sua cozinha sem acreditar no que lhe havia acontecido.

Mais um dia se passou. A mulher que teve sua casa invadida, nada fez nesse sentido. Encontrava-se deitada em sua confortável cama, coberta de lembranças, que não sabia se queria esquecer, ou guardá-las em sua mente como um bem precioso. No outro lado da cidade o desejo de Camila, em uma rua escura abordava um pedestre batendo com o seu revólver no ombro:

- Aí véio, passa a carteira e o celular.

- Que, que é isso rapaz?

OS CABELOS DE SOFIA

Caio, estava dentro de seu carro, aguardava o sinal abrir. Olhava sempre os automóveis em volta. Em um, a mulher passava batom, em outro um jovem escutava uma música que parecia animada, no seguinte mais na frente um homem acendia um cigarro. O rapaz, era o que se podia chamar de realizado, tinha muitos amigos, muitas mulheres, um bom carro. Mas a impaciência e o vazio, sentimentos que se tornaram velhos conhecidos, não o deixavam nunca.

Mas nem sempre foi assim, ele não teve no início uma vida das melhores. Filho de pais separados deveria ter dois ou três anos quando aconteceu, e desde então não passou a ter mais contato com o pai. Vindo de colégios públicos, mas sempre sendo o primeiro da turma, foi fácil conseguir o “lugar ao sol”. Passando por uma universidade com perseverança. Depois de um concurso, mais um primeiro lugar, e um excelente emprego.

Sinal verde, pensativo dava a partida, mas se assustou com um barulho parando em seguida. Não acreditava, na frente do carro uma mulher caída. Perplexo, sai do carro imediatamente. Ao se aproximar da moça ainda caída, admira os cabelos da vítima. De um louro que somado aos reflexos do sol escaldante, resultavam nos mais belos que já havia visto em toda a vida. Aqueles fios dourados molduravam o rosto belo e atraente da jovem Sofia. Que por sorte, não sofreu nada mais grave, somente algumas escoriações. Ele sentiu-se invadido pelo frio que lhe inundou o ser, que mais pareceu água gelada a molhar o íntimo. Aquele que só sente quando a atração pela outra pessoa é das mais fortes e arrebatadoras. Pergunta entre adoração e preocupação:

- Você está bem?

Sofia responde meio atordoada:

- Acho que sim.

Ele então sorri o mais tranqüilo dos sorrisos.

Cinco anos se passaram, encontra-se no mesmo sinal fechado. Agora não olha mais os carros em volta. Dentro do seu a contempla, que sentada ao lado, é sua mulher. No banco detrás duas crianças brincam. Não procura mais, agora ele tem. O sinal abriu, Caio se vai não mais acompanhado pela impaciência e o vazio, mas sim pelos cabelos de Sofia.

DONA FELICIDADE E SUA IRMÃ, A SORTE

O que vou contar começa aqui, com o meu corpo inerte não chão de um escritório de um bacana. Tá com um tempinho? A história é boa, tô falando, vale a pena você acompanhar. Voltemos alguns anos. Estamos em um colégio de filho de rico. Sabe aquela coisa de pobre se misturar com gente de dinheiro? Pois é, só acaba em merda. Já deu pra sacar, né? Isso mesmo, eu sou o pobre no colégio dos ricaços. Como entrei lá? Era estudioso e bom atleta, atributos maravilhosos para os diretores fazerem caridade às tuas custas. O tal dava uma bolsa de estudos, todos viam com bons olhos o ato filantrópico. E o pobre jovem, a ser massacrado pelos nobres colegas. Não podendo deixar de lembrar a inveja, dor dilacerante, que o pobre estudante sentia corta-lhe a alma. Acredite, não tem como evitá-la.

Estava eu no banheiro, quando o Márcio, aquele queridinho que arranca suspiros das meninas, e a admiração dos marmanjos. Bateu nas minhas costas sorrindo:

- Como vai amigo?

Só acreditei que era comigo, porque só estávamos nós dois ali. Ele não falava comigo nem quando eu fazia os gols, para ele, o capitão do time colocar as medalhas no pescoço:

- Lembra da Marina, aquela loirinha que senta bem na frente?

- Claro.

- Amigo, está afim de você. Sei disso porque ela contou para a Clara, namorada do Pedro que é meu chapa. Bem-vindo ao meu mundo cara, o mundo dos ganhadores.

Passei dois dias com aquela turma, todos me chamavam pelo nome, nem imaginava que eles sabiam como me chamava. Acredite, para mim foram dois dias no paraíso. Até que um deles, sorrindo com seus grandes dentes brancos, me pediu um favor:

- Tu vai ter que roubar a prova de matemática. Já está tudo esquematizado. Vai ser moleza, e nós te damos cobertura.

- Mas logo a do professor Bené. Se ele me pega nessa, me fuzila.

- Fuzila nada. Deve favores ao meu pai.

Faça sua aposta. Será que me dei bem ou mal em minha empreitada:

- Seu marginalzinho. Sabia que ia te pegar, fazia tempo que sumia minhas provas. E eu pensando que era o Pedro. Filho de um cidadão acima do bem e do mal. O diretor vai jogar você no olho da rua. Isso aqui é uma escola dos filhos de pessoas de bem. Não queremos tipo como você aqui. Demos-lhe uma chance de conviver com gente de nível. Mas como era de se esperar, meninos do seu tipo têm mesmo que estudar em colégio público.

Nunca o caminho de casa me pareceu tão curto. Não deu nem tempo de refletir o acontecido:

- Cadê o pai, mãe?

- Tá furioso.

- O pessoal da escola já ligou?

- Já, mas não é só por isso. O Duque morreu.

- Que merda! O pai era doido por esse cachorro. Morreu de quê?

- Envenenado. Aquela planta da tua vó. Ele comeu e morreu.

- Mas se era veneno, porque tinha isso aqui em casa?

- Não sei, teu pai faz todas as vontades dela. Diz ela, que acha o tal mato bonito. E disse ainda, que o chá é mais perigoso. Que mata parando o coração, mais antes maltrata com muita alucinação.

- Mas pra que a vó, quer uma coisa dessa tão violenta aqui dentro de casa.

- Pra tirar a paz daqui filho. É só o que ela sabe fazer.

O corredor naquele dia ficou mais longo, cada passo era como quilômetros. Com a mão tremula girei a maçaneta:

- Pai.

- Já sei o que você aprontou seu vagabundo, vou arrancar teu couro.

No outro dia, meu último naquele estabelecimento, tentei falar com Márcio sobre a tal menina:

- Ela nem sabe que você existe. Cara, você acreditou! Não acredito! Você não se enxerga?

Não sei por que esse acontecido me marcou tanto. Mais que isso, passou a fazer parte de mim. Nunca consegui esquecer. Até os estudos, que sempre me dava bem, perdi o gosto. O que tornou meu relacionamento com o meu pai, que já era caótico, cada vez pior. Revoltava-me a mãe dele sempre a gritar dentro de casa:

- A culpa é dela, dessa mulher que você arrumou pra casar.

Minha vida foi se fazendo em cima de uma escada de fracassos. Cada vez me levando mais para baixo. A única coisa boa de tudo isso foi Vilma, a menina mais bonita da rua. Apaixonou-se por mim, e casamos. Nunca descobri o que realmente ela viu em mim. Mas agarrei a única coisa boa que a vida me deu com unhas e dentes. Afinal também sou filho de Deus. Ou não?

Vilma é professora primária, acho que agora chama ensino fundamental I, não sei direito, nunca entendi bem essa mudança. Bom, voltando a minha senhora, coitada, levava a casa sozinha. Eu nunca conseguia muita coisa, e quando isso acontecia, sempre era muito pouco a minha ajuda.

Na saída de um shopping que tinha recebido mais um não, adivinhe quem eu encontrei. Se pensou que foi com o tal de Márcio, acertou. Para minha surpresa, ou talvez nem tanto, seu comportamento foi o de rever um grande amigo que há muito tempo não via. Acabamos em seu escritório. Ele ria muito, falava muito, e eu apenas escutando:

- Sabe aquele Pedro que te fez aquela sacanagem. Se fudeu. Morreu se empanturrando de cocaína. Não podia ser diferente. Um sacana daqueles não poderia ter outro fim.

Depois de muito papo me disse que estava investindo em turismo. Explicou-me que era o negócio mais rentável aqui no Nordeste. Sem perguntar o que eu fazia da vida, me ofereceu logo um emprego. Seria um de seus contatos. Começaria logo naquela tarde.

Se eu aceitei? Claro. Pensei logo que era a Dona felicidade enfim batendo a minha porta ao lado de sua irmã a tal de sorte. Ele me entregou as chaves de um carro que estava no estacionamento. Teria que levar apenas umas guias turísticas para alguns norte-americanos que se encontravam em um hotel cinco estrelas. Elas iriam lhes mostrar a cidade. Assim fiz. Estranhei as guias serem tão novas, não me disseram nada durante a viagem, só cochichavam no banco detrás, e riam muito. Quando cheguei ao hotel, logo na porta fui recebido por quatro senhores de ternos pretos. Identificaram-se como Polícia Federal. Eu estava preso sob a acusação de agente de prostituição infantil:

- Fazia tempo que estávamos de olho em você. Era só uma questão de tempo, a gente pôr a mão em você.

Não disse nada. Não entreguei ninguém, pois sabia que seria em vão. O que mais lamentei foi perder a minha mulher. A única coisa que me mantinha a vontade de viver. Depois disso ela nunca mais falou comigo.

Como eu pude cair no mesmo golpe duas vezes com o mesmo golpista? É fácil de saber isso. Vai ser casado com mulher bonita. Morar em prédio de Cohab, de aluguel, e para completar estar desempregado. A gente se agarra a qualquer coisa que nos aparece pela frente, mesmo duvidosa, como a única tábua de salvação em um oceano de portas na cara.

Como em um filme consegui fugir da cadeia. Passei em minha casa, depois de dias escondido. Revi minha velha mãe. Entre aquelas paredes lembrei muito da mãe do meu pai. Que já tinha morrido há alguns anos. As suas coisas, as suas maldades. Próxima parada o escritório de meu amigo de infância:

- Você?

- Sim, eu.

- O que você quer meu amigo?

- Apenas que você mais uma vez me ajude.

- Claro pode contar comigo.

- Só lhe peço mais uma coisa. Largue esse telefone.

- Certo certo.

- Quero dinheiro. Coisa pouca, só o que dê para eu me mandar e nunca mais voltar.

- Vou fazer um cheque agora mesmo.

- Cheque?

- Como sou estúpido. Desculpe-me. Acho que tenho um bom dinheiro aqui.

- Vou te pedir mais uma última coisa.

- É só dizer.

- Vamos beber um whisky juntos.

- Isso?! Certo.

- Posso preparar?

- Fique à vontade.

- Com gelo?

- Não, puro.

- Aqui está.

- Que porra de whisky tão ruim é esse? Tá amargando feito fel.

- O meu está ótimo.

- O que tem nas paredes?

- Não sei. Não estou vendo nada.

- Que porra é essa no chão?

Passei exatamente três horas sentado, observando sua agonia. Torcia-se no chão desesperadamente. Mas como alegria de pobre dura pouco, um vizinho ao sair, escutou do corredor os horrendos gemidos e chamou a polícia. Assustei-me com o barulho do arrombar da porta. Tentei fugir mais fui atingido por um único tiro.

Onde estou agora? Não sei. Como é que eu vou saber, não vejo nada, tá tudo escuro. Sabe aquela escuridão pior que breu, é isso mesmo, pois aqui é pior. Se é o céu? O inferno? Já disse, como eu vou saber? Mas sabe de uma coisa? Acho que é o céu. Por quê? Por que nunca tive tão feliz.

AROMAS

Chovia muito naquela tarde na capital pernambucana. As ruas do bairro de Boa Viagem naqueles anos de 1970, estavam se alagando a cada mais um minuto de chuva. Um Galax branco, carro dos mais abastados daquela época, mais parecia um navio devido ao seu tamanho, ao passar fazia verdadeiras ondas que banhavam as calçadas e os pedestres que nelas transitavam:

- A senhora viu no rádio madame, o boato de que a represa do Tapacurá ia transbordar. Foi aquele corre, corre.

- Em primeiro lugar, Seu. Alfredo, eu não vejo notícias no rádio, e sim as escuto. Em segundo, na entrevista para sua contratação não lhe foi dito que se contratado seus patrões dispensariam qualquer tipo de comentário de sua parte se os mesmos não lhe fossem solicitados?

- Sim madame, exatamente.

- Então como me vem agora com ousadias, me fazendo comentários de notícias de rádio sem ter sido interpelado.

- Sem ser o quê madame? Intre...

- Cale-se. Está me deixando nervosa.

- Pois não, madame. Pois não.

A criança que estava ao lado da mãe se deliciava não se sabia ao certo se era pelo banho que as pessoas que estavam na rua tomavam sem querer, ou se era pela cara de decepção do ingênuo motorista, que quis apenas agradar a sua patroa. O menino olhava para o homem que dirigia o carro e sorria de uma maneira muito cruel, jamais esperada em uma criança de oito anos:

- Mamãe...

- O que foi meu tesouro?

- Mande Alfredo fazer uma onda bem grande, que molhe todos que estão na parada de uma só vez.

- Vamos, satisfaça meu Paulinho e depois nos leve logo para casa. Claro, nos poupando de seus comentários desnecessários pelo amor do bom Deus.

A criança sorria quase de uma forma convulsiva, ao ver a fúria das pessoas que ficaram encharcadas. Enquanto a mãe olhava ternamente para seu filho. Não tomando conhecimento, do drama dos que foram molhados para uma mera satisfação de seu filho...

- Paulo. Está olhando o quê nessa chuva infernal?

- Não é nada Ricardo, só tava lembrando de uma coisa quando eu era menino.

- Já sei, pelo sorriso cínico, só pode ser alguma coisa com uma empregadinha gostosa. Certo?

- Não importa. Fale-me como foi em Madri, Ricardo. Você terá mais algum cinema.

- Não. Mas estão satisfeitos com os resultados, com o do Shopping Guararapes. Você viu como o shopping renasceu?

- Estive lá com Amanda, tivemos até dificuldade para estacionar, deveriam colocar manobristas como no outro shopping.

- Eles quando se trata de investimentos no terceiro mundo, agora chamado de em desenvolvimento, são muito cautelosos, são pilhas de estudos antes de soltar um dólar por estes lados. Mas por falar em Amanda, passei por ela, estava conversando com sua secretária. Você tem feito bem a ela, sua noiva esta cada dia que passa melhor.

- Ela deve estar interrogando, a pobre Marlene não tem sossego. Amanda pede um relatório de minhas ligações. Só se interessando pelas femininas.

- Mas vamos deixar os espanhóis por lá, e me diga como estão as coisas aqui na sua financeira.

- Os tempos difíceis para mim são bem-vindos. Com a falta de dinheiro que enfrentamos, todos recorrem a pedir dinheiro. Uma pequena parte consegue pagar. O restante, que é a maior parte, acaba perdendo para mim, o pouco que lhes restou.

- Você sempre foi muito esperto...

- Eu não, nós. Somos nós que construímos esse mundo, é justo que seja nosso o direito de usufruí-lo. É essa roda viva que cria e alimenta os sonhos da sub-raça que se molha na chuva lá fora. É com o trabalho e as esperanças deles de se tornarem um de nós, que ficamos mais ricos e mais donos da situação. – O rosto do jovem empresário, defendendo suas idéias se tornou ríspido como o de um grande déspota. – Certo?

- Eu estou louco, em dizer que não. – Os amigos sorriram longamente.

- Quanto riso no reencontro de velhos amigos. Paulo ligou para uma Carol três vezes. Quem é essa? Eu não conheço. – Quis saber a atraente mulher no curto espaço de tempo que levou entre entrar naquela sala e beijar os lábios de seu noivo.

- Você não conhece, nem eu. Deve ser alguma coisa que não chegou a mim.

- Você chega, eu saio. Tenho muito que resolver. Sempre fico atrapalhado quando volto de viagem. Depois marcamos alguma coisa para vocês conhecerem minha nova namorada.

- Você está muito cheirosa.

- Gostou... Foi o perfume que Carminha, me trouxe de Londres. Não entendo Carminha, veio em fevereiro para o carnaval em Olinda, e não voltou ainda. Está namorando um negro. Não é bem por ser negro que não gostei dele. Ele é garçom. Você acredita? Garçom. Uma menina que pertence a família que tem a terceira fortuna de Pernambuco. Que se divirta tudo bem. Mas perder tempo namorando... Aí, já é demais.

Tem gosto para tudo, meu amor. No meu caso, tenho bom gosto.

Seu mentiroso... Vamos ao cinema do Ricardo. Entre as estréias, um filme do Almodova excelente.

- Hoje não. Vamos amanhã. Não sei a que horas vou sair daqui. – A chuva continuava a cair. Lavando todas as vidraças azuis da grande torre comercial, localizada no mesmo bairro em que alguns anos atrás um galax branco, cortava as ruas com um homem simples a dirigi-lo, que apenas quis ser gentil com sua patroa.

A Rua da Concórdia durante o dia é um corredor da cidade do Recife, muito movimentado. Embora com grande parte de suas portas fechadas, devido a péssima onda que acolá o comércio. Não só nas noites quentes e abafadas de verão, mas em todas as estações. Acontece ali um outro tipo de comércio. A prostituição. Mas ao contrário de outros pontos de prostituição na cidade, naquela rua durante os expedientes das prostitutas não é uma constante a passagem de carros. Seus clientes geralmente são pedestres, pobres, geralmente embriagados de cachaça. Às vezes essa rotina é quebrada com a passagem de um carro de luxo, que geralmente pára. E solicita os serviços de alguma mulher que ali se encontra:

- Vai querer o quê bacana?

- Você.

- Serviço completo? É caro.

- Dinheiro não é problema. Onde você mora?

- Isso não interessa.

- Diga, faz parte do meu prazer.

- Longe, depois do Alto da Borborema.

- Ótimo. Entre. – Em seguida abriu a porta do carro.

No conforto do interior do veículo, o frio chegava a incomodar a gananciosa mulher. Calafrios lhe percorriam o corpo, não era acostumada aquele tipo de frio. A música suave, as luzes do painel e até mesmo o cheiro do couro dos bancos a deixaram atordoada. O bem-estar e todas aquelas sutilezas lhe eram estranhos, longe de seu mundo, era como se estivesse no céu. Tudo que ela vira e sentira dentro do carro, vinha de imediato se chocar com o aroma de seu perfume barato. Para ele, não encontraria nas melhores perfumarias de toda a Europa, um perfume que causasse um deleite tão profundo em seu ser.



Cássio Cavalcante

CHAMOU EU VENHO

Não adianta chorar, me chamou eu venho. Agora é tarde para se arrepender. Tinha que ter pensado antes nas conseqüências de seu ato. Calma, veneno no refresco faz logo efeito. Ainda tenho muitos para atender hoje.

MEU PRIMEIRO MILHÃO

A história que vou começar a contar começou em um lugar muito distante do que estou agora. Para ser mais preciso, no bairro da caixa d’água no subúrbio de Salvador. O ponto de partida para tudo foi a morte de meus país. Morreram afogados na Praia de Itapuã. Era um dia no meio da semana com a praia deserta, só tiveram como testemunha de seus tristes fins, o farol. Isso mesmo, a mesma praia da música de Vinicius de Morais. Quando aconteceu estava eu com 14 anos. Ao saber só me passou a idéia de me matar, e devo admitir que desde então essa idéia vem sempre como solução do menor ao maior problema. Posso dizer que acho que superei tudo isso, mas que ficou marcas profundas em minha alma, e que nunca me livrei dessas marcas, posso garantir. Não chega a ser uma fobia, mas passei a não gostar e ter uma grande antipatia por grande quantidade de água. Como mar, lagos e rios.


Filho único e sem avós maternos e paternos, tive que ir para o Recife, morar com o irmão de meu pai. Gregor Maranhão, meu tio era um importante político naquela cidade. A lembrança da minha chegada, até hoje ainda é muito nítida para mim:

- Carlos, essas são suas primas Grete e Greta – Disse meu tio, querendo ser gentil. As duas meninas embora com nomes de gêmeas, não eram gêmeas. A primeira tinha 13 anos, e a segunda 10. Ambas me receberam com carinho, mas Greta a mais gordinha, sempre me olhava com cara feia, quando estávamos a sós.

- Esta é sua tia Leonor. – Continuou meu tio procurando sempre se mostrar o mais caloroso possível. Leonor, uma mulher corpulenta mais de muita educação. Arriscaria a dizer que era a pessoa que conheci mais preparada para receber. E nada mais bem-vindo sendo ela a esposa de um político.

Passamos naquela residência ainda uns poucos anos. Logo depois nos mudamos para uma cobertura na Avenida Beira-Mar de Boa Viagem. Não tive muitos problemas, meu tio me saiu um verdadeiro pai. Talvez isso tenha acontecido por eu ser filho de seu único irmão, ele não tinha um filho. Acho que o tal destino, se ele existe, me encravou nessa lacuna da vida de meu tio. No passar do tempo não tive grandes dificuldades, talvez por uma defesa me sentisse superior a todos. Devo afirmar que isso me ajudou. Me destaquei nos estudos, nos esportes, eu era o que se podia chamar de popular. Logo estava me formando, escolhi direito, talvez por saber que era isso que me tio queria para mim. Mas na hora da colação, lembrei das palavras de meu pai:

- Advogado foi a única profissão criada pelo Diabo.

Depois de voltar do exterior, onde eu fui fazer um doutorado, presente de meu tio, ele e eu tivemos a conversa que mudaria minha vida para sempre:

- Chegou a hora Carlos.

- Hora de quê?

- Você será candidato a deputado nas próximas eleições. E tenha certeza, será a primeira de muitas que irá ganhar.

- O senhor falando assim, tenho certeza. Mas o dinheiro para isso? Ontem mesmo o senhor queixava-se de dinheiro. – O chamava de senhor por que foi umas das poucas exigências que ele me fez. – Este negócio de eleição sempre me falou que custa caro.

- Já está tudo arrumado. O ministro Clovis Aranha e o deputado Cláudio Pimentel vão bancar tudo. A coisa já é garantida.

Sendo assim o resultado foi o que se esperava. Acredito que Tio Gregor com certeza era o mais feliz de todos, quando gritava:

- 14860 votos. O segundo, o segundo! Eu sabia que seria batata. Batata...

Sua esposa, sempre contida e serena, repetia sem parar:

- Parabéns meu filho, parabéns meu filho...

Como por encanto logo me transformei em um político de grande respaldo, não sei como, logo me livrei da sombra de meu tio. Eu era Carlos Maranhão. O presidente da Assembléia, o político mais influente daquela casa. Acho que perdia só para o Governador, mas numa segunda tentativa seria capaz, com a artimanha certa, passar até por cima dele.

Em um belo dia entre uma e outra assinatura olhava para o teto, quando a secretária me avisou da próxima reunião. Era com um executivo, de uma dessas multinacionais. A porta se abriu, e o homem me saudou com um caloroso sorriso:

- Hello, Mr. Maranhão. – Mr. Hudson era uma figura agradável, bem-vestido, os cabelos bem-penteados e um sorriso com dentes muito brancos, que logo me lembraram um comercial de creme dental. Hudson era um desses executivos internacionais que fatiam o terceiro mundo, e o entrega ao dito primeiro, para esse devorá-las. Nossa entrevista, claro, foi em inglês. Sentia as vezes que ele queria me testar, mas não o levei a mal. Eu gosto de falar outros idiomas fluentemente.

Passando as primeiras palavras de meras formalidades, ele logo me passou um relatório que me deixou intrigado. Era sobre Porção. No relatório podia-se ler que a cidade ficava no interior, no Vale do Ipojuca. Com uma área de 212,1 Km , uma população de 9.579 habitantes. Em destaque lia-se que na cidade estava a nascente do rio Capibaribe. Depois de ler perguntei:

- Em que posso ajudá-lo?

- Nossa empresa deseja instalar uma de nossas fábricas, nesta cidade. – Disse ele apontando de uma maneira cordial para o relatório que ainda se encontrava em minhas mãos.

- Ótimo. Melhor impossível. – disse sorrindo. – Mas por que me procuraram?

- O Senhor é o deputado mais influente de seu estado. Precisamos de seu apóio, nossa fábrica de detergentes, tem como resultado final, resíduos com altas taxas de poluentes dos mais nocivos...

- Você está louco... O Capibaribe já está agonizando, mas ainda é um dos maiores símbolos desta terra. Faça a fábrica em seu país. – Procurei demonstrar ao máximo uma indignação, que para ser sincero, sofri um pouco por não senti-la. Ele sorriu de uma maneira paciente, e não tardou em continuar:

- Nossa empresa atua em vários segmentos internacionais. Pertence ao nosso grupo a empresa que transformou o rio que corta a Coréia do Sul. Que era um dos mais poluídos do mundo, e hoje famílias inteiras pescam nele. Em suas águas cristalinas. Nosso grupo não receberá o seu apoio de uma forma ingrata. Trago aqui, em caráter de última oferta, um milhão. Falo em dólar, não em reais. Ficarei na cidade ainda por três dias, no último tornarei a procurá-lo a fim de obter sua resposta. – Depois que me entregou seu cartão, apertou-me a mão como se tivesse me proposto o mais digno de todos os negócios. Demonstrei o máximo de decepção que me foi possível. Chegando em casa, tratei de ligar logo ao meu tio, e marcar uma reunião para aquela mesma noite em meu apartamento, pois já há algum tempo não morava mais em sua casa. Logo meu tio estava comigo:

- O que houve? No telefone me pareceu agoniado.

- Hoje recebi uma... – Depois de escutar todo o meu relato, em todos os seus detalhes. Não tardou, com seu jeito paternal, em me aconselhar:

- Bata o martelo. Feche com eles e trate de todos os detalhes. Não pense duas vezes. Não pense nessas tolices de nascente. Pense no trabalho que isso vai gerar, na moradia, nos estudos dos filhos dos funcionários. Você deve saber que esses empreendimentos vêm acompanhados de tudo isso. Isso é reeleição na certa. Tenha certeza, tenha certeza. – Me afirmou já com o rosto vermelho, o que acontecia sempre que se empolgava. – Sem falar de seu bolso, que é importante. Muito importante.

Não formei nenhuma opinião sobre os conselhos de meu tio. Era como se eu estivesse só, naquele momento. Por mais que ele vibrasse com toda aquela negociata. Naquela noite não dormi bem. Acho mesmo que nem cheguei a dormir. Não sei por que toda aquela questão tinha me deixado tão indeciso. Afinal seria sim ou não. Estava perturbado, e a velha idéia de suicídio, mais uma vez me veio como a solução de tudo.

Passados os três dias, Mr. Hudson...

Devo informar de onde conto toda essa história. Estou no Dilido Hotel, inaugurado em dezembro de 2003. Depois de inúmeros atrasos e milhões de dólares gastos em obras. O prédio é uma jóia arquitetônica dos anos 50. Achei a sua aparência de um transatlântico, um pouco cafona, sua piscina não vale o caríssimo preço de sua diária. O melhor mesmo é seu bar a beira de South Beach, uma das praias de Miami. Aqui é o lugar do momento, os shows sensuais que acontecem à beira da piscina são sem iguais. As festas são disputadíssimas, com modelos com o corpo todo pintado, e outras com asas que chegam a três metros de larguras. Famosos e ricos por toda a parte. Esta praia fica naquele trecho famoso pelos predinhos Art Déco em tons pastel que ficam os melhores hotéis, bares, restaurantes e boates de toda a Miami. Aqui tem celebridades por todos os lados. Já passaram por mim, Britney Spears, Matt Damon e Jennifer Lopez. Esta última dizem que até mora aqui. Miami por uma década saiu do circuito das grandes cidades mundiais. Mas agora voltou, e vive um de seus grandes momentos. As mulheres, maravilhosas. A hora certa de chegar às boates é por volta das onze. Nas mais famosas, Mynt e Privé, nem todos podem entrar, a grande maioria é barrada. Para entrar dão preferência a famosos ou habitués. Privé às sextas, Mynt aos sábados, Nikki Beath e Pearl aos domingos.

Quanto à Mr. Hudson... Não resisti e o apoiei em seu projeto. Serei eu, o inimigo do povo? Não, se não fosse eu seria outro. Acreditem que o milhão que ganhei, foi o primeiro de muitos outros que o seguiram. Portanto...

O SORRISO DE LIGIA

Na varanda de um prédio de luxo, na beira-mar de Boa Viagem. Amigos nem todos abastados, se confraternizam em seu carnaval. Na avenida o Bloco da Parceria uma massa humana e colorida. A multidão de foliões sob o sol escaldante se entrega de corpo e alma ao reinado de Momo, como uma onda, seguem os trios. Roberto em seu ambiente, com cadeiras confortáveis, um cardápio regional ao seu dispor e para seus convidados. Ainda cansado do Baile Municipal, no dia anterior àquele Domingo. Ele olha para multidão abaixo e pensa:


Onde encontram tanta felicidade? Muitos não têm onde morar, nem o que comer! Vivem em um submundo que o sistema criou e os aprisionou. Não sabem como será o amanhã, mas mesmo assim fazem o passo do frevo demonstrando uma alegria sem igual. Como conseguem?

- Doutor está chegando mais um carnaval, parece que não está muito animado. Está com uma cara feia.

- Não é nada, é só mau humor da ressaca. Estou perplexo da felicidade desse povo. Uma alegria sem igual.

- São dois mundos separados e definidos, no asfalto um, aqui o outro. E te digo mais, é mais fácil um de nós descer para o mundo deles, do que um deles chegar ao nosso.

- Mas que idéia Pedro! Por que foi embora tão cedo ontem?

- Você quer dizer hoje, saí depois do show de Elba. Ontem me dei bem.

- O show de Elba foi bom, mas ela podia ter cantado mais.

- Vou beber alguma coisa, estou com a garganta seca.

Ele torna a prestar atenção no bloco. O rapaz é surpreendido com uma bela visão. Para ele uma morena se destaca na multidão. Fazendo do corpo um espetáculo à parte, dona de um belo par de pernas, que são apenas o começo do arrebatador conjunto que é a sua figura. Os seus olhos negros fazem par com o sorriso. O que o deixa desorientado.

Um gordinho de bermuda amarela e camisa estampada bate no ombro do anfitrião e dispara:

- Nosso carnaval não tem igual. Não tem carnaval no Rio de Janeiro ou na Bahia que se compare a Pernambuco. O nosso tem para todos os gostos, bailes, blocos, carnaval de rua. Olinda é um verdadeiro salão de baile a céu aberto. E o Recife Antigo agora já está firmado, sendo um dos melhores carnavais.

Notando que não estava sendo escutado, o falante se distanciou sorrindo como se tivesse escutado uma boa piada. Mas Roberto ficou desesperado, pois em meio ao grande bloco, perdera o sorriso que tanto o impressionara. Mas o sorriso agora estava no rosto que há pouco estava aflito, tornara a achar o que perdera. O bloco passou, deixando para trás uma avenida vazia e imunda. Hora daqueles que fazem de catar latas de alumínio a sua sobrevivência. No outro mundo hora da feijoada, nos primórdios era comida de escravo, agora a iguaria é servida nas mais finas mesas. Ninguém encontrava Roberto, todos perguntavam: Onde está Roberto? O procurado se encontrava entregando-se aos prazeres da carne, com a morena que pertencia ao outro mundo.

No Hospital o jovem médico fazia plantão, mas seus pensamentos só o levavam à lembrança do domingo passado. No dia seguinte faria sete dias que ele esteve com aquela mulher tão misteriosa, mas que o deixara muito perturbado e ansioso por um novo encontro. Nenhuma ligação, nenhum contato. E nem mesmo ele sabia o nome da dona de seus pensamentos:

- Quando a vejo de novo?

- Acho que não vai dar.

- Por quê?

- Nossa realidade é diferente.

- Diferente nada. Nossa realidade é o que acabou de acontecer. Quero seu telefone.

- Não tenho.

- Nem para contato... E o seu endereço?

- Me deixe no terminal de Boa Viagem, e eu ficarei bem.

- Fique pelo menos com o meu telefone.

- É, pode ser.

Nesse momento levantou-se bruscamente, o que a deixou envergonhada, mesmo também estando como ele por baixo dos lençóis. Pegou sua carteira e tirou um cartão. Riscou as letra d e r que antecediam seu nome e a entregou.

- Doutor... Doutor...

- Pode falar.

- A paciente do 301 insiste que não lhe deram seu analgésico. Quer lhe falar com urgência – a enfermeira sorriu – imediatamente.

- Vamos até lá, talvez eu resolva.

A pequena mulher com sua roupa branca foi na frente. O médico a seguiu logo depois.

A grande sala, que no sábado passado estava cheia e com muita alegria. Estava sombria, sem nenhum movimento. Cansado o médico passou, e foi direto para seu quarto. Mesmo muito cansado não conseguiu dormir logo. A fixação pouco a pouco estava tomando por completo os seus sentidos. Tão logo adormeceu, sonhou com o objeto de sua obsessão. No sonho entre sussurros e gemidos, ele inundava aquela inexplicável mulher com toda a sua paixão. Depois permaneciam abraçados, formando quase que um só corpo. O silêncio do quarto foi perturbado pelo telefone que não parava de tocar:

- Alô...

- Roberto? É o Pedro.

- Pode falar...

- São nove horas, às dez o galo vai cantar. Todos já estão indo para o camarote.

- Onde é mesmo o camarote?

- Na Praça Sérgio Loreto. Acorda.

- Certo. Daqui a pouco nos encontramos.

- A Paula vai.

- Que Paula?

- A Paulinha, a dentista, ela está na sua, é só chegar.

- Ah... Sei quem é.

- Acorda brother, acorda. O galo vai cantar.

No camarote, os amigos se encontram. Roberto olha para a multidão em sua volta, seria impossível encontrá-la ali, só um milagre. Viu passar um casal fantasiado de bombeiro. O que chamou mais a sua atenção foi o Bin Laden segurando um pequeno avião inflável, acompanhado do presidente George Bush que trazia Saddan Hussein preso em uma coleira. Só uma visão surreal como aquela, o fez sorrir, na sua angustiante busca. Carlos com sempre chega e vai logo falando:

- O carnaval é a única festa que une o rico e o pobre nessa concórdia que Momo proporciona.

- Quem?

- O Rei Momo

- Ah... O Rei...

Junto com os trios do Galo da Madrugada o tempo também passou:

- A Paulinha já foi, saiu chateada.

- Acho que eu também vou Pedro, já está na minha hora.

- Você deve saber o que faz. Amanhã tem Papangu, e você vai.

- Certo. Amanhã a gente se encontra em Bezerros.

O belo dia de sol que fez em Bezerros, tornou ainda mais reluzente as máscaras nos postes de todo o centro da pequena cidade, e também os mascarados que correm em todas as direções:

- Aí, isso aqui a cada ano fica melhor.

- É Pedro, isso aqui me lembra os nossos tempos de Olinda, quando a gente alugava sempre aquela mesma casa. A farra era boa, lembra?

- Claro, tempos bons e melhores virão.

- Olha lá Roberto. Lá vem o chato do Carlos.

- Deixa ele.

- Vocês sabem como tudo isso começou?

- Eu não. E você Roberto, sabe?

- Não, mas diga Carlos, você que de todos nós é o único que sabe essas coisas.

- No início as turmas de mascarados invadiam as casas de conhecidos, familiares e amigos, eram recebidos e lhe ofereciam angu de milho. Logo ficaram conhecidos como papa-angus, surgindo assim os Papangus.

- A conversa está boa, mas já vou indo.

- Não são nem quatro da tarde. Já reservei duas mesas no Arsenal, aquele bar na esquina da Rua Bom Jesus. Amanhã o QG é no Recife Antigo.

- Certo Pedro, amanhã a gente se fala lá. E quanto a você, professor da história do carnaval, também vá até lá.

- Irei, mas não sei muito da história do carnaval do Recife Antigo!

Vendo que Felipe já ia. Paula se aproxima:

- Você me dá uma carona? Vim com a Sônia, mas ela sumiu.

- Claro. Então vamos.

Chegando ao apartamento da dentista, aconteceu o inevitável. O médico não foi muito honesto com ela. Foi apenas o seu corpo que ele possuiu, pois na sua cabeça, só havia um sorriso que não saía das suas lembranças.

No Recife Antigo:

- Você sabe do Jairo?

- Brother, ele disse que ainda não chegou a hora de trocar Olinda por isso aqui.

- Estou querendo falar com ele.

- Mas me conta o que aconteceu ontem?

- Aconteceu o que ela queria.

- E você não?

- Eu também tenho que querer se não fica ruim de acontecer.

- Ela não deve ter gostado muito do que você fez, ainda não apareceu por aqui hoje.

O amigo sorri. Mas nesse momento surge Paula, que chega até Roberto e o beija:

- Do que vocês dois estavam falando?

- Dos blocos. – Respondeu o curioso.

Surge dois, saindo da Rua Bom Jesus e seguindo para a praça do Arsenal. O primeiro foi o Bloco das Flores:

- Esse aí foi fundado em 1920. – Gritou Carlos.

O segundo foi o Bloco da Saudade, que cantava junto com a multidão que o cercava e o seguia:



E se aqui estamos, cantando esta canção

Viemos defender a nossa tradição

E dizer bem alto que a injustiça dói

Nós somos madeiras de lei que cupim não rói.



Nas mesas alguns levantavam e seguiam os blocos. Os que ficavam dançavam de acordo com a cadência das melodias cantadas. E ainda tinha os que se beijavam apaixonadamente.

O celular de Paula toca:

- Vou ter que ir, depois que inventaram esse plantão lá na clínica, só sobra pra mim. E você rapaz, vê se liga, estou esperando.

- Vou ligar.

Quarta-feira de cinzas. Roberto chega a casa depois de mais um plantão, vai para o escritório. Sempre se sente bem sentando naquele lugar que foi de seu pai. Na televisão o Jornal Nacional dá as últimas notícias de um carnaval que já passou. Mas ele não presta atenção, a fixação que lhe acompanhou por todo o carnaval, já o está irritando.

Cordulina, uma mulher de meia-idade, mais ainda forte e robusta, fazia pouco tempo que servia aquela família. Uma tia avó de Roberto havia falecido, e ela havia ficado sem patroa e sem emprego. As dificuldades de empregados nos dias de hoje a levaram para aquele apartamento. Vendo a luz que saía da porta entreaberta, ela bate na porta:

- Pode entrar.

- O doutor quer alguma coisa?

- Sim, um café bem forte.

- O doutor se importa se a minha filha lhe serve. Ela veio me ver, e tá me ajudando.

- Faça como achar melhor.

- Aproveito e vou ver se a mãe do doutor quer alguma coisa.

A empregada se retira, e ele liga para o amigo psiquiatra:

- Jairo?

- Grande Roberto, abandonou Olinda de vez?

- Sabe como o Pedro é, acaba levando todo mundo para onde ele quer. Mas me conte como foi.

- Tenho que dar uma brecada no ano que vem, a loucura foi tão grande que não me lembro de quase nada.

- Eu não ando nada bem, passei o carnaval todo pensando em uma mulher que não sei nem o nome. Estou sentindo que isso já está me fazendo mal. É um fato que está tirando a minha concentração e já está atrapalhando minha vida.

- Passa no meu consultório amanhã no final do expediente e a gente conversa.

Batem na porta:

- Um momento, Jairo. Pode entrar.

A porta se abre e Roberto não acredita no que vê. A razão de suas angústias, que lhe tiraram a empolgação de todo o carnaval. Estava em pé à sua frente segurando uma bandeja:

- Oi. Lembra de mim? Eu sou a Lígia, filha da Cordulina.

Perplexo Roberto, não sabia o que dizer.

- Alô... Roberto, alô...