sexta-feira, 4 de junho de 2010

AGUAS DE FEVEREIRO

Olinda, cidade de tantas belezas. Plantados no meio da multidão surgem os bonecos gigantes, acompanhados pela orquestra que varre tudo a sua frente tocando Vassourinhas. O velho casario acorda de seu sossego secular ao toque do batuque do Maracatu. Os tambores anunciam que é carnaval, em fevereiro, o mês predileto de Momo. Do alto de suas escadarias as fidalgas igrejas, com as janelas quebradas de sua torre, são testemunhas da alegria de um povo. As ladeiras se rendem às brincadeiras de quem as sobe e desce, em um frenético vai e vem. A Sé no alto tem toda a festa a seus pés. Os corpos suados do calor escaldante da sensualidade latina que se buscam e se acham no aconchego da carne. São as belas da tarde, os diabos louros, os bichos malucos beleza, que fazem toda a poesia de um canto. O mercado em que antes se vendia os escravos, agora é palco da comunhão das raças de todos os lados do mundo. As antigas fachadas são o cenário do show. A casa que se entra pela janela e para sair tem uma porta, também é cúmplice de tanta alegria.

Grandes bonecos, diferentes do que estão acostumados a fazer o carnaval nas ruas da cidade, adornam o Palácio dos Governantes, sede da prefeitura daquele município. De tamanhos variados chegam até os cinco metros, os Clóvis, tradicionais palhaços do Recife também estão presentes no adorno. Um total de trinta bonecos entre eles passistas, capoeiristas que fazem parte do surgimento do frevo. Faz parte ainda da decoração o Rei Momo, e um imenso boneco de Dionísio, deus grego a que muitos atribuem a inspiração das festas que originaram o carnaval.

Na festa no meio da rua, três amigos Felipe, Pedro e Marco. Passa mais uma troça, arrastando tudo e todos cantando em um só delírio:

Olinda... Quero cantar... a ti...

- Vocês são doidos. Aqui em Olinda com namorada.

- Vai dizer Felipe que elas não valem à pena. Fala aí Marco.

- Eu não quero saber de nada, Pedro. Faço o que eu quero. Tô querendo tá aqui com a Carol, o Felipe que se dane. Ele já tem vinte e sete anos. Podia ir com mais calma, parece esfomeado.

- Eu não quero saber desse negócio de idade. O certo é ficar, não vou perder tempo, enquanto pego dez, vocês estão só em uma. Daqui a pouco vão casar.

- Taí, até que não é má idéia. Não é Marco?

- Bom, já essa coisa de casar tô entre você e o Felipe. As meninas estão de- morando a voltar do banheiro.

...Faz vibrar meu coração, de amor a sonhar

Em Olinda sem igual

Salve o teu carnaval!

Ao passar da troça a multidão fervia, parecia não sentir o terrível calor, 35º à sombra. Começa a chuva, de início fraca, a havaiana de mão dada ao marinheiro corre para dentro de casa. Fica mais forte, a enfermeira e a noiva procuram o mexicano, e não achando correm gritando. Agora é para valer, chove forte, o pierrô sem a colombina, passa a mão no rosto, desfazendo a lágrima pintada:

- Olha lá Marco, aquela abelhinha na chuva.

- Tô vendo, Pedro. Que cinturinha! Que boquinha! É linda, e não tem medo de chuva. Onde tá o Felipe? Pra vê esse filezinho.

- Sei lá, por aí. Ainda bem que as meninas ainda não voltaram.

- Devem estar esperando a chuva passar. Eita, queria ser o zangão dessa abelhinha.



***



Quarta-feira, a cidade está mais calma, mas ainda com carnaval. Alguns se arrastam com suas bagagens, suspirando. Outros ainda resistem e correm atrás dos poucos blocos que insistem em não querer parar:

- Alô.

- Ainda se diz alô, quando se atende celular, Marco?

- Eu atendo do jeito que quiser. Fala Pedro.

- Quarta-feira, vamos pro bacalhau, no mercado da Boa Vista?

- No mercado?!

- Isso, vai ter a apresentação da Orquestra da Bomba do Hemetério, com o maestro Forró. Lá também tem o melhor arrumadinho do Recife. Feito pela dona Cristina.

- Sei quem é o maestro, o cara é arretado. Sabes que arrumadinho é o meu fraco, não me alimentei bem nesse carnaval tô até necessitado. E o Felipe?

- Não sei, não o vejo desde a hora daquela chuva. Deixei recado pra ele aparecer por lá também. Vai começar ao meio-dia.

- A gente se fala lá.

A tarde começa a ir embora. O maestro Forró, correndo à frente da orquestra, nas pequenas ruas do mercado, faz suas mirabolantes evoluções, causando admiração da platéia, que aplaude e dança ao som de um frevo recriado:

- Olha lá quem tá chegando.

- É o Felipe, vê lá Pedro, tá acompanhado!

- Tô reconhecendo ela... É a abelhinha!

- Olha aí o cara, Marco. Ele falou que não ficava mais de um dia com uma menina.

- Disse isso sim. Só que agora meu amigo, é pra casar. Ela me veio do paraíso, trazida pela chuva que caiu do céu.

-...

-...

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